Que raio de mulher!


A Separação

Ela disse adeus a mim naquela manhã azulada de dezembro. Era princípio de verão , no ar o cheiro d’água que evaporava do pequeno lago em frente ao nosso lar doce lar. Pelo menos era pra ser, mas não foi. Ou foi? Não sei dizer ao certo. Ela me deu tchau sem muitas explicações plausíveis. Só gritava aquele raio de mulher. E eu ali, jogado às moscas sem nenhuma ação e estático. As forças tinham se esvaído de mim como torneira quando abre . Tempos bons que passam. Fazer o quê?

Eu poderia me questionar. Ir lá correndo atrás dela gritando : Pelo amor de Deus, volta! Volta sua sem razão. É! E ela deu jeito de voltar? Eu tentava ser ao máximo delicada com ela; as palavras, no entanto, não saiam tão poéticas assim. A raiva já tinha enraizado nossas sutilezas e eu não conseguia mais me controlar. Só o relógio fazia isso, e mesmo assim eu vivia atrasado. Era tudo problemas, milhares deles sem soluções. E o que ela resolveu fazer : FUGIR! Tão prática e tão formosa, tal como um mamão suculento e doce. Não sou machista, sou só um homem aqui tomando meu traguinho tentando convencer-me que de fato ela tinha razão - aquela sem coração.

Até onde eu sabia, eram os homens que deixavam a casa, iam embora e tal. Mas comigo inverteu . Será que me tornei tão chato quanto mulher quando entra em crise de choro ou igual àquelas outras que querem parir filho sem ao menos estar prenhe? Há, vai saber! Reclamam de tudo ou apurrinham por pouca coisa, por causa da casa, da tampa do vaso, da cueca atrás da porta, do portão que não abre direito, do coco do cachorro. Coisa triste! Mas, mais triste que isso, é vê-la indo embora. A legítima cena da guerra sabendo que partirá sem mais voltar. Mas... sei lá... não sei o quê pensar agora. Resta-me ainda um bocado de auto-estima, vou deitar.

Os dias passam como se troca de canal numa noite chata de televisão sem um programa interessante pra se ver. Elvis no toca-fitas lamenta comigo minhas mágoas. Os insetos se debatem na janela perto da lamparina da varanda, depois de manhã é aquela mancha escura de bicho morto. São já três e vinte e nove da madrugada de 30 de dezembro de um ano qualquer, piscam as luzes vermelhas no relógio na estante o anunciando. Já era hora de fechar as cortinas e adormecer. Disse adeus a Elvis, até amanhã!

Elvis era meu codinome nas noites de solidão, ele me entendia e me entediava com tanta melosidade. Eu lá imitando ele parecendo um boboca sem platéia, ao menos poderiam rir de mim, me vaiar. Azar, já é tarde, sempre tarde para tudo. Até meu relógio de pulso resolveu me deixar hoje na mão. Eu, o relógio da sala e o pisca-pisca da árvore de Natal.


Pirilampos! Poderíamos estar todos bêbados. Eu e as luzes de Natal. Piscando numa viajante alucinação. Lembrei de uma viagem que fiz a alguns anos. Durante a madrugada, dentro de um ônibus, tentando captar alguma música do rádio de orelha no interiorzão, encontrei perdida entre várias estações confusas uma balada sobre pirilampos. Era bonita a letra – não consigo lembrar bem agora como era-, tanto faz. Combinava com a paisagem alumiada pela luz branca da lua e um clima de paz sem limites na imensidão da pastagem. Alguns arbustos leves ainda criavam sombras na beira da estrada esburacada. Contudo, era tudo lindo. Lindo demais para alguém sem intenções para o novo ano que está prestes a saltar de pára-quedas.


Tamirez Paim, dezembro de 2008.

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